domingo, 28 de setembro de 2014

sob a sombras das faias




Há muito tempo tento entender porque a natureza sempre 
teve o impacto de um contato pessoal com Deus sobre mim  

Castro Alves me entendia.





SUB TEGMINE FAGI
 Castro Alves
 

        Dieu parle dans Ia calme plus haut que dans Ia tempête.
 MICKIEWICZ

        Deus nobis haec otia fecit.
 VIRGILIO


        Amigo!  O campo é o ninho do poeta...
        Deus fala, quando a turba está quieta,
                Ás campinas em flor.
        — Noivo — Ele espera que os convivas saiam...
        E n'alcova onde lâmpadas desmaiam
                Então murmura — amor —

        Vem comigo cismar risonho e grave. . .
        A poesia — é uma luz ... e a alma — uma ave...
                Querem — trevas e ar.
        A andorinha, que é a alma — pede o campo, 
                P'ra voar... p'ra brilhar.
        A poesia quer sombra — é o pirilampo.

        Meu Deus!  Quanta beleza nessas trilhas...
        Que perfume nas doces maravilhas,
                Onde o vento gemeu!...
        Que flores d'ouro pelas veigas belas!
        ... Foi um anjo co'a mão cheia de estrelas
                Que na terra as perdeu.

        Aqui o éter puro se adelgaça...   
        Não sobe esta blasfêmia de fumaça
                Das cidades p'ra o céu.
        E a Terra é como o inseto friorento
        Dentro da flor azul do firmamento,
                Cujo cálix pendeu!.

        Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
        Leva a concha dourada... e traz das plagas
                Corais em turbilhão,
        A mente leva a prece a Deus — por pérolas
        E traz, volvendo após das praias cérulas,
                — Um brilhante — o perdão!

        A alma fica melhor no descampado...
        O pensamento indômito, arrojado
                Galopa no sertão,
        Qual nos estepes o corcel fogoso 
        Relincha e parte turbulento, estoso,
                Solta a crina ao tufão.

        Vem!  Nós iremos na floresta densa,
        Onde na arcada gótica e suspensa
                Reza o vento feral.
        Enorme sombra cai de enorme rama...
        É o Pagode fantástico de Brama
                Ou velha catedral.

        Irei contigo pelos ermos — lento — 
        Cismando, ao pôr do sol, num pensamento
                Do nosso velho Hugo.
        — Mestre do mundo!  Sol da eternidade!...
        Para ter por planrta a humanidade,
                Deus num cerro o fixou.

        Ao longe, na quebrada da colina,
        Enlaça a trepadeira purpurina
                O negro mangueiral!...
        Como no Dante a pálida Francesca, 
        Mostra o sorriso rubro e a face fresca
                Na estrofe sepulcral.

        O povo das formosas amarillis
        Embala-se nas balsas, como as Willis
                Que o Norte imaginou.
        O antro — fala... o ninho s'estremece...
        A dríade entre as folhas aparece...
                Pan na flauta soprou!...

        Mundo estranho e bizarro da quimera
        A fantasia desvairada gera
                Um paganismo aqui. 
        Melhor eu compreendo então Vergílio... 
        E vendo os faunos lhe dançar no idílio, 
                Murmuro crente: - eu vi!

        Quando penetro na floresta triste,
        Qual pela ogiva gótica o antiste,
                Que procura o Senhor,
        Como bebem as aves peregrinas
        Nas ãnforas de orvalho das boninas,
                Eu bebo crença e amor!. . .

        E à tarde, quando o sol - condor sangrento
        No ocidente se aninha sonolento,
                Como a abelha na flor...
        E a luz da estrela trêmula se irmana
        Co'a fogueira noturna da cabana,
                Que acendera o pastor,

        A lua - traz um raio para os mares...
        A abelha - traz o mel... um treno aos lares
                Traz a rola a carpir...
        Também deixa o poeta a selva escura
        E traz alguma estrofe, que fulgura,
                P'ra legar ao porvir!...

        Vem! Do mundo leremos o problema
        Nas folhas da floresta ou do poema,
                Nas trevas ou na luz...
        Não vês?... Do céu a cúpula azulada,
        Como uma traça sobre nós voltada,
                Lança poesia a flux!...

        Bahia (Boa-Vista), 26 de Novembro de 1867.