terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

espelhos


... a imagem da Piazza San Marco é em homenagem ao filme o Turista, que acabei de assistir e quase morri de saudades de Veneza...
mas o que me chamou a atenção é o efeito espelho que a água cria  (para efeito deste interludio literario vamos esquecer que este filme dágua é a espada da extinção sobre  Veneza).

Acho que a mágica do espelho começou a hipnotizar os neandertais quando se viram no reflexo da água... e provavelmente acharam que os traços tortos do rosto eram apenas distorção da marola, os coitados.

Qual é exatamente o poder que conhecer a sua propria imagem dá ao homem?  O que o homem enxerga num espelho?  o que um espelho mostra ao homem, o que ele é ou os varios homens que ele gostaria de ser, como insiste Lacan?  

O espelho mágico da madrasta da Branca de Neve sabia de t-u-d-o, era um espelho onisciente.
O espelho mágico que serviu  para Alice entrar no Pais das Maravilhas era um portal, uma passagem para um mundo que já existia dentro dela mesma.
Outros espelhos fixaram emoções na literatura, como o espelho do quarto de Capitú, que se sabia de tudo nunca revelou o segredo..., o espelho dágua que hipnotizou Narciso na mitologia grega, ou o espelho que não consegue mostrar os vampiros na literatura gótica e serve como limite entre o mundo dos vivos e o dos mortos.

O impacto de ver sua propria imagem era tão avassalador que na antiguidade os espelhos foram associados à alma, depois ao mundo espiritual, de onde vieram os espelhos mágicos, que falavam de profecias e revelavam segredos e existe toda uma tradição de meditação diante do espelho, que tem efeitos profundos na personalidade dos individuos.

O espelho pode ser curioso, do tipo que insiste em ficar te observando... ou cômico, do tipo que distorce as formas. Pode ser cruel,  como aquele que mostra idade, ou  iluminado, como aquele que mostra a sabedoria tranquila. Pode se condescendente, como aquele que mostra o que voce quer ver, ou escravizante, quando mostra o quanto voce não se encaixa.   Pode ser irritante como o retrovisor.
Pode ser membro da familia, como aqueles grandes espelhos bisoteé do quarto das avós, que viram gerações seguidas de pessoas existirem, mas jazem vazios no canto de algum quarto ou deposito de moveis antigos. Esta imagem do espelho vazio abandonado é muito semelhante à imagem dos olhos velados de um cego, e me lembro que por aí se diz que os olhos são o espelho da alma.

O quanto cada um é dependente do espelho talvez diga muito sobre as pessoas... tem lugares onde até nos elevadores há espelhos, a pessoa sai do banheiro onde já se olhou bastante, passa pela sala e pelo quarto, onde confere mais algumas vezes, e quando vai para a garagem ainda pode conferir mais alguns minutos a propria imagem antes de se despedir de si mesma (agonia!) para enfrentar um dia de trabalho! 
Acho que há espelhos em toda parte e pessoas que param para  ver sua propria imagem neles.
Se enxergar é uma expressão com inumeros graus de significado.... quem é que realmente se vê ao olhar num espelho? e, em se enxergando, quem é que realmente se conhece?

Um detalhe importante é de que a imagem no espelho é invertida, e isso tambem tem significados multiplos. 
Leonardo da Vinci escreveu muitas paginas dos seus cadernos com escrita espelhada, talvez uma tentativa moderada de reter a privacidade do texto.  Ou talvez uma mostra de que tudo que lhe interessava era entender e espelhar a natureza e suas maravilhas.

Me lembro de ter visto em São Paulo um edifício cujo exterior era espelhado, refletindo o céu e as nuvens de forma que se  integrava ao céu como se fosse parte dele, conteudo e substancia, numa imagem contínua de céu e terra que deve ser a arquitetura mais perfeita que eu já vi.
Me lembro de ter visto na Praça da República, sob uma ponte oriental um espelho dágua verde escuro, onde provavelmente o menino Tetsuo do livro de José Mauro de Vasconcelos ficava olhando a própria imagem e as transformações que ela sofria conforme sua vida se esvaía.
Me lembro do meu canto na beira do rio, onde o verde claro da água do rio Paraitinga espelhava o céu e as nuvens criando uma imagem de estranha dinâmica, porque a água era corrrente e as nuvens tambem corriam no céu, a perfeição da impermanência na forma mais fiel como poderia ser retratada.
Acho que há espelhos em toda parte, e pessoas que param para observar o que eles revelam sobre o mundo à nossa volta.


O meu, infelizmente não me enxerga.  A imagem que ele mostra não chega às sombras da lady que o encara. Então, no fundo é isso, espelhos são burros.
Porque a verdade, mesmo, eles não mostram,  a imagem "real" que eles mostram é apenas mais uma ilusão, que deixa as pessoas que olham seguras, porque não precisam mais pensar nisso. Mesmo se me vejo feio, pelo menos estou me vendo, não sou um vampiro... 
A imagem que eles mostram é tão superficial quanto sua face fria,  e as pessoas só procuram enxergar dentro dela raramente.
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