quinta-feira, 27 de agosto de 2009

memória

Para falar de novo do tempo.... já comentado aqui antes (o rio e o tempo).

Charles Chaplin uma vez disse:
"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente.
Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo.
Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria.
Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara pra faculdade.
Você vai pro colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando...
E termina tudo com um ótimo orgasmo!!!
Não seria perfeito?"

A linha do tempo só existe no Universo da matéria, porque a matéria envelhece, a matéria deteriora e precisa ser reciclada. No mundo das idéias, no mundo do espírito, e no mundo da memória, o tempo não existe, tudo pode acontecer simultaneamente, ou fora de ordem.
Existem vários tipos de memória em nossas vidas... a memória de registro, que pode ficar confusa com a idade ou amnésia, a memória emocional, que traz o frescor daquelas flores do primeiro namorado para o seu tato agora, a memória imediata, que fica repetindo inumeras vezes um numero de telefone e no meu caso quando vai discar, está errado....

A vida passa, crescemos, ficamos mais velhos e mais gordos, mas isso só se constata ao olhar no espelho, porque aqui dentro ainda somos os mesmo jovens audazes e onipotentes dos 20 anos, achando aquela imagem do espelho uma insanidade, e de mau gosto.

Onde vão parar os fatos da vida que perdemos na memória, que não foram tão marcantes para ter registro indelével, mas ocorreram, tiveram coadjuvantes e tiveram consequencias? Imagino que as pessoas que escrevem diarios podem, ao ler cadernos antigos, redescobrir coisa das quais nunca teriam se lembrado sem este recurso. As pessoas que têm o hábito de tirar muitas fotografias tambem.

Nosso cérebro não comportaria guardar TUDO que ocorre em nossas vidas, existe um software embutido que analisa a prioridade dos fatos e faz uma triagem... o primeiro sorriso do Rafael na maternidade ficou, mas onde foram parar os outros tantos milhares de sorrisos que ele me deu?

Em filmes americanos se vê com frequência o costume que as crianças têm de enterrar "capsulas de tempo", contendo objetos de valor sentimental para serem recuperados muitos anos depois.
Mas como guardar o cheiro daquelas rosas? O som daquela voz? Aquela risada de cócegas impagável dos bebês?

Como deve ser abrir um diário de 30 anos atrás e descobrir que você era outra pessoa, irreconhecível hoje? Que pequenos valores e desejos antigos não tinham fundamento, ou seriam abandonados adiante?
Pessoas que perdem a memória precisam sair em busca de si mesmas, e com frequencia se reconstroem no processo, ficando totalmente diferentes do que costumavam ser.

As pessoas deviam poder escolher suas memórias que vão ficar quando maduras, para poder selecionar com sabedoria o que merece ser lembrado.
Devia haver pequenos comprimidos de memória que pudéssemos tomar na velhice, para reviver aqueles momentos.
Não existe sensação pior do que querer, precisar recuperar uma meória, uma emoção, uma imagem, e não poder... fica um vazio preenchido por angústia, por uma sensação de incapacidade, como se fôssemos um computador muito velho e ultrapassado tentando desesperadamente abrir um arquivo incompatível.

O pior é que as pessoas que têm saco para fazer registros muito organizados como diários e albuns de fotos são tão chatas que pouca coisa do que elas podem lembrar é interessante...

Quando um de nós parte desta dimensão, o que ficará de suas memórias, senão os fatos vistos pelos olhos dos outros?

Minha querida amiga Beth nos deixou ontem... fica na memória um sorriso doce, sempre aberto, a simplicidade que só a honestidade e a integridade possuem, a voz doce de quem sempre tinha paciência e sempre via tudo em profundidade, a dedicação concenciosa de quem respeita o outro, o ideal do convívio com a natureza, alguém que merecia muito ter podido inverter a ordem natural da vida e viver a vida ao contrário, como Chaplin sugeriu. Não sei que memórias dela própria ela teria querido que preservássemos, então ficamos com as nossas.
Porque ela fazia diferença, onde estivesse.
E já está fazendo falta.

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